
Sunday, July 29, 2007
Nada para mim (reborn)

Tuesday, July 17, 2007
No Jardim das Hespérides (por fim)

metros da fogueira e dos amigos que eu acabara de conhecer, de maneira que eles voltavam a ser apenas vultos escuros e alegres, circundando a língua alaranjada de fogo que nada iluminava. Ela se sentou primeiro, cruzando as pernas em forma de "borboleta", como se fizesse um laço com elas; fui logo depois, tomando o cuidado antes de retirar a mochila e colocá-la logo atrás de mim. Paralelas e simétricas, posto que eu também havia cruzado minhas pernas do mesmo jeito, fitávamos o mar, revolto e rotineiro, no seu vai-e-vem de ondas. Ela apoiou um dos braços sobre o joelho e, com o outro, anunciou a pequena mão que desenhava na areia da praia círculos, elipses, infinitos. Cruzei os braços sobre o peito e fechei os olhos junto com o céu, que dava boas-vindas à noite. Eu dava boas-vindas a ela.
Friday, July 13, 2007
No Jardim das Hespérides (continuação...)

O silêncio do meu sorriso.
Andamos algum tempo com os pés descalços sobre a areia, assistindo ao últimos raios de sol que, de poucos, não iluminavam, apenas desenhavam retas borradas de luz no céu azul. Lentamente, acendiam-se luzes laranjas, amarelas e brancas pela calçada, nos apartamentos dos prédios que circundavam a enseada e em algumas casas mais próximas da praia. A insipiente iluminação, que aos poucos tomava espaço, contrastava com as tonalidades azuis intensas, róseas e alaranjadas daquele anoitecer especialmente frio. Não nos importávamos para aonde íamos ou de onde vínhamos, pois estar ali já era a chegada de algo muito menos direcional. Deixamos os sorrisos e as vozes dos amigos dela para trás e íamos nos afastando do barulho que eles faziam, nos camuflando sob o ocaso. Alguns transeuntes passavam, inertes, com fones presos às orelhas, completamente alheios a nossa presença; outros se arriscavam a correr, ritmando uma velocidade que contrastava com a atemporalidade do nosso momento e desacelerava o nosso andar. Enquanto caminhava sob passos lentos, completamente desprovidos de pressa e sem um destino distingüível, notei que meus pés se afundavam na areia e alguns grãos invadiam as reentrâncias dos dedos sem, contudo, tornarem-se desagradáveis. Distingui uma alegria grave no olhar dela que, em conjunto aos cabelos dourados que flutuavam no vento, não me aliviava o torpor e a ansiedade de estar à espera. Andamos um bom tempo assim, despedindo-nos do mundo e adentrando esse universo paralelo recém descoberto. O céu estava aberto e eu podia identificar uma ou outra constelação com facilidade, o que me fez lembrar dos signos. Olhei para ela, entusiasmada, deslocando a língua para dizer-lhe qualquer idéia roubada de recorte de jornal sobre signos. Parei. Seu ombro direito estava descoberto pela blusa de alça que ela usava e era incontrolável não o olhar. Não era um ombro que impunha presença, largo e notório; era delicado, desenhado em suaves curvas que terminavam não só nos braços e nas costas, mas também subiam sintuosos pelo pescoço e nuca. Pensei "seria bonito se ela tivesse uma tatuagem aqui", inclinei levemente a cabeça. "Talvez uma tatuagem de escorpião... uma tatuagem de Sol!", eu finalizei com um aperto contente no peito, atravessando a atenção do ombro para a face dela. Foi quando, propositadamente ou não, ela esbarrou todo seu lado direito no meu esquerdo. Com a mão que lhe ficava mais próxima, tentei apoiá-la e sem a consciência da fala, pedi desculpas. Abruptamente, ela consertou o corpo, voltou-se para mim, com um olhar alucinante, me fazendo repensar nas minhas desculpas, e segurou minha mão. Não disse nada. Apertou-a e, ainda sem soltar, continuamos andando.
Tuesday, July 10, 2007
No Jardim das Hespérides

Meu relógio de pulso ameaçava marcar seis e meia de uma tarde não muito friorenta de inverno, quando chegamos à praia. Olhei-o, despreocupada, mais interessada em agarrar-me a algo concreto, norteador. Havíamos caminhado todo o percurso do hotel no qual eu me instalara, passando por ruas e ruelas, bares e lojas, uns que fechavam, outros que se alegravam com o ocaso, até a grande avenida que margeava o litoral. Durante o percurso tentei, em vão, gravar os nomes dos lugares pelos quais passavámos, como se sabendo o nome deles, eu pudesse rememorar posteriormente todas as sensações que me ocorriam naquele tempo, como fotos que eu jamais tirei. Lembro-me de que estava ligeiramente dormente e incrédula de estar ali, ainda com um ou outro calafrio teimoso que persistiu desde que havíamos nos encontrado. Talvez fosse uma quinta-feira - sob resguardos de Oxossi e regência de Júpiter - pois há sempre um clima diferente neste dia, – quinta-feira é um “quase”, alegre e ansioso pela promessa do fim de semana -, ou talvez fosse mesmo uma sexta-feira, com toda sua pretensão e boemia. Caminhávamos, era certo. Ela me guiava, ora ou outra esbarrando sua mão na minha, visivelmente excitada pela possibilidade de ser minha grande anfitriã nesse mundo novo, no qual eu mal pisara. Enquanto falava, gesticulava expansivamente, apontando e explicando um detalhe ou outro que, na rapidez do cotidiano passa despercebido e sem ela, ali, eu não os veria com os olhos, entre marejados e sorridentes, que vi. O olhar dela, arisco e enérgico, examinava a paisagem a nossa volta, e os dedos, delicadamente pequenos e ágeis, estavam prestes a focar a minha atenção perdida e espalhada naquele novo lugar, uma desatenção ingênua que, eu sabia, ela tinha certo prazer em consertá-la . Enquanto ela apontava os edifícios e construções daquela cidade miraculosamente linda, percebi que até mesmo eles, estátuas e esculturas do mundo moderno, se curvavam a ela, solenes, tão interessados quanto eu, valsando na valsa que ela, regente, conduzia, numa sinfonia inaudível. Quando se cansava ou talvez achasse conveniente se calar, ela lançava os olhos à calçada a nossa frente. Mas, eu sabia: era uma maneira discreta de averiguar a minha atenção e captar qualquer sorriso-evidência da alegria simétrica que, mutuamente, nos invadia. Eu sorria, irremediavelmente consciente de estar sob observação dos audaciosos olhos dela, que se encerravam castanhos, mas apresentavam a inigualável suavidade feminina, talvez pelo tom dourado das sobrancelhas ou pela delicadeza dos traços que desenhavam, graciosos, nariz, bochechas e queixo. Sorri amplo, dando a ela a sincera e entregue sensação de que estava, completa e finalmente, ali. Nesses instantes de quietude, nos quais ela silenciava a voz e os braços, as casas e os prédios, respiravam, recuperavam o fôlego, entre um ato e outro, ainda absortos pelo comando dela. Segundos depois, ela avistava algo interessante ou simplesmente uma lembrança boa de algum lugar ou algo lhe acometia, e ela, então, reiniciava o ballet e a paisagem se movia, no ritmo das reminiscências e da voz inigualável dela.
Acompanhamos a avenida que tangenciava a praia durante bons minutos. Não posso dar noção melhor do tempo, pois naqueles passos letárgicos que dávamos, arrastando os chinelos sobre o chão, o tempo não se instalou. Nem ele, nem a monotonia, nem o cansaço, nem a pressa, nem o menor desequilíbrio. A cidade ia gradualmente perdendo a euforia do dia ensolarado para dar espaço a inadvertida noite que, embora um pouco fria, chegava sorrateira, embalando as intenções estampadas nas caras dos corpos morenos, nus ou quase nus, que transitavam e nos orbitavam. Ela evitava sorrir, embora constantemente eu a enxergasse abrir a boca, de lábios nem grossos nem finos, libertando um suspiro ou um pretexto duvidoso de molhar os lábios ressecados pela brisa que se chocava contra nós duas; quando sorria, entretanto, desviava o olhar para o lado oposto ao meu, de maneira que eu não lhe podia mirar a expressão. E era bonito vê-la assim, levemente desconcertada, certamente curiosa e atenta. Era belo, embora fosse assustador, pois havia dentro de mim um turbilhão de vontades e impulsos encarcerados e a presença dela me deixava assim, observadora e passível, sem saber se era tão bom para ela quanto era para mim. Segurei as alças da minha mochila, que começava a incomodar os ombros, quando ela, repentina, virou o rosto em direção ao mar, esticou o braço direito e apontou para um pequeno foco de luz em meio ao começo de escuridão azul da noite. De onde estávamos, ainda na calçada, parecia ponto luminoso de fogo no qual alguns vultos o circundavam. Faíscas de um alaranjado intenso subiam ao azul ciano do céu, desengonçadas e sem direção. Forçei a visão, espremendo os olhos atrás das lentes dos óculos, aproveitando para reajeitá-lo, ato que sei que dá a minha testa rugas pequenas de uma sabedoria desacreditada. Ela me olhou, eu a olhei de volta. Segurou-me a mão, pulamos o pequeno muro que separava o passeio da praia, retiramos os chinelos e reiniciamos a caminhada.
Andei ao lado dela, olhando para o mar, para as ondas que quebravam quando próximas da praia, espumando a poucos metros de meus pés. A maresia tem um odor e uma certa umidade que desperta qualquer coisa de desatino em mim - como se num passado inexistente na consciência desperta, algo de muito bom tivesse ocorrido ali, às margens do Atlântico Sul... uma despedida ou um reencontro ou outra epifania qualquer - e, naquele dia, havia mais pretextos para tanto. Do meu "mineirismo" inalienável, veio a sensação de pequenez diante da grandeza do oceano; em seguida, experimentei a sensação de "pertencer", como se mar e eu fôssemos um só e nessa hora eu quis correr o máximo possível e me atirar contra as ondas. Continuei caminhando, hipnotizada, seguindo os passos da minha guia. Foi preciso que ela disesse algo para me resgatar e quando percebi, já estávamos a poucos metros do local que ela havia apontado há pouco, quando ainda estávamos na calçada. Alguns dos vultos se clarearam e entre eles, alguns olhavam insistentes para mim. Intimidaram-me, confesso. Não havia me preparado para tanto e nem sei dizer se estava preparada para ela. Magistralmente, ela acelerou o passo e, enquanto buscava minha mão e segurava-a forte, já foi logo bradando meu nome e, mais divertidamente, minha naturalidade. Orgulho e diversão se misturavam na fala dela; ela soletrava o nome de minha cidade, numa afronta a minha tranqüilidade, mas era inútil, pois eu também sorria. Falseou um sotaque mineiro para alegria dos "convivas" e eu terminei o comentário com um "uai", dando o toque final. Eu apertava as mãos dos antes-vultos-agora-pessoas com uma certa alegria, pois sabia que eles também, assim como o lugar e as construções, me narrariam fatos e observações interessantíssimos, permeados pela voz soberana de todo carioca. Ou talvez ficassem gravados na memória daquele dia de inverno, como peças de um quebra-cabeça maior, do quebra-cabeça que ela era e do qual, eles faziam parte e eu apenas tinha começado a montá-lo. Ela, logo atrás de mim, entre uma repetição do meu nome e outro comentário com alguém mais distante, aquecia-me com a presença, como se me dissesse que estava ali, que cuidaria de mim. Ouvi alguns risos amigáveis, outros comentários sobre tempos passados com outros mineiros e a verdade era que me divertia, pois era tudo muito acolhedor. Nunca fui dada ao contato físico e sempre tive extrema dificuldade de aproximar fisicamente das pessoas embora, naquela atmosfera aconchegante, eu me atreveria a tocá-la, abraçá-la novamente, envolver-lhe pela cintura, prender meus dedos nos cabelos encaracolados dela, na lentidão morna de quem finalmente chega, apoiando a ponta do meu nariz na curva dos ombros dela. Naqueles momentos, aquecida não só pelo círculo magnético dela, mas pela fogueira à minha frente, deixei-me tocar. Toques leves nos ombros de uns, ora pesados e desatentos de outro; um braço ou outro que se prendia a minha cintura, me levando a um outro alguém que se aproximaria, beijando-me as bochechas e assim repetidas vezes até conhecer a todos. Ao final da apresentação, uma idéia lançou-se veloz para ponta da língua e eu sussurrei pra mim mesma, já que ela estava distante: cariocas são carentes, carinhosamente carentes, irresistivelmente carentes. Quando abandonei o pensamento, ela já estava do meu lado. Aproximou-se de mim, reajeitou uma mecha do meu cabelo, recolocando-a atrás da orelha, quando falou num tom de voz pausadamente grave e convidativo: "vem cá, tenho um lugar pra te mostrar". Ofereci a ela minha mão e ela tomou-a, como se tivesse abraçado o corpo inteiro.