O último trecho, responsável pelo último quarteirão da Avenida Brasil antes da Liberdade, apresentava uma pequena elevação, como uma reverência à presença da praça logo em seguida, o que custou às coxas dela mais gotas de suor e graus a mais na temperatura que já era quase insuportável no meio das pernas. Ela retesou os músculos e, forçando o peso do corpo contra a sandália, venceu a pequena ladeira. Sentiu-se bem após o esforço, pois vislumbrara as luzes da decoração natalina, antes desenhadas na sua imaginação, mas muito mais intensas quando encontradas nos olhos por trás das lentes. Como pintor e quadro, levou a mão à altura daquelas bolas dependuradas tanto próximas a ela quanto lá no fundo da praça, entre as palmeiras e os chafarizes, mas que, na paisagem da sua retina, se justapunham centímetros distantes; com a ponta dos dedos, foi tocando cada uma delas, teclas de um piano noturno e iluminado, de cuja melodia poderia se ouvir apenas o barulho do vento que deslizava nas copas das árvores, se escorrendo nas folhas. Novamente, temeu que alguém a achasse patética e infantil: escondeu a mão teimosa atrás da nuca, massageando-a. Olhou de um lado para o outro da rua antes de atravessá-la e tomar o caminho da calçada da praça.
Passava por um carrinho de pipoca, quando foi invadida pelo cheiro de clarinê que o pipoqueiro terminara de fazer, já aprontando os saquinhos plásticos transparentes para guardá-los. A lembrança da infância veio à tona por aquele aroma: quando pequena, depois de passar a tarde inteira correndo pelos becos e ruelas da cidadezinha pequena na qual a avó insistia em morar, ela e as primas sempre paravam na praça central da cidadela. Com seus chinelos Havaianas imundos de terra alaranjada e com algumas moedas guardadas com esmero nas mãos e nos bolsos dos macacões, elas compravam saquinhos de papel abarrotados de pipoca, e saiam saltitando sobre as pernas finas dos ossos pontudos, derramando as bolinhas coloridas de corante e açúcar pelo caminho que perfaziam de volta às travessuras. Aquelas imagens, agora despertadas pelo cheiro adocicados dos amendoins, pairavam junto à iluminação, dentro e fora dela; ela procurou nos bolsos o trocado que levava para pegar o ônibus e, caminhando em direção ao carrinho de pipocas, fez um gesto indescritível com o leve movimentar da cabeça em conjunto com uma das mãos. Deu ao pipoqueiro – um senhor de algumas dezenas de anos penteados nas pontas grisalhas do bigode, vestido com um puído avental excessivamente branco, talvez obra de uma esposa caprichosa – algumas moedas, diferentes daquelas de seu tempo, e, sentindo o calor da embalagem entre os dedos, sentiu a boca umedecer-se ao se preparar para saborear a pipoca. Como uma das mãos, tratava de segurar os livros junto aos quadris e, com a outra, o saquinho de papel, procurando um banco por perto para poder se sentar e, assim, perdeu alguns minutos antes de voltar para casa. Era noite e era época de Natal e, logo, as pessoas se divertiam pela praça, algumas correndo, outras andando de mãos dadas, algumas crianças vislumbradas com o mundo gigantesco das luzes no alto das árvores e alguns idosos apoiados nas suas bengalas e memórias. Sentiu saudade do tamanho confortante com que via as antigas casas da cidade da avó, tão maiores do que ela; as portas eram portais para os cômodos ou para o quintal cheio de árvores de todas as espécies de frutas, no qual o Tico, o cachorro vira-lata de manchas pretas, passava horas a fio roendo o osso dos frangos e enterrando-os quando já estava satisfeito; as janelas tão grandes, cujos peitoris funcionavam como bancos no entardecer, quando os homens voltavam com as expressões cansadas para suas casas e conversavam entre si com as vozes grossas, sob os olhares das mulheres das vozes agudas e melódicas; os bancos de areia para construção eram desertos em plena rua e quase sempre viravam argamassa de castelos medievais para as princesas Barbies, que sempre voltavam para casa com um braço ou uma perna a menos. Sentiu-se velha e pequena; por isso, a saudade se fez muito maior.