Saturday, January 27, 2007

Like the desert misses the rain...

Ao som de: Take On Me – A-ha

Retirou a aliança prateada do dedo anular da mão direita. Colocou-a sobre a palma da mão molhada e fitou-a por longos minutos. Recolocou-a de volta ao dedo, sem contudo empurra-la até o final; ficou ali movendo-a da ponta do dedo até a base, com os olhos firmes e parados num ponto qualquer do tapete.

- Aceita? – a voz adocicada sobre o seu ombro esquerdo.

Ela ficou em silêncio. A dona da voz aproximou-se, com uma das mãos apoiadas sobre o ombro da outra, até que se assentou perigosamente próxima dela, de uma maneira que sua perna descoberta pela saia roçasse na calça jeans da de aliança nos dedos. Na outra mão, levava uma taça em formato oval preenchida até a metade com um líquido transparente com uma leve coloração amarelada. Ela aceitou.

- Não sei por que insistem tanto no vinho tinto. Existe um charme discreto no vinho branco demi séc que nenhum outro vinho conseguiria ter...– e lançou, orgulhosa, um olhar pra taça que estava entre as mãos da outra – espero que goste, Paula.

Enquanto o líquido descia a garganta de Paula, vagoroso e quente, Sílvia percorria, de lado, o olhar congelado da outra, no além da taça. Fez menção de abraçá-la e a vontade era tão maior que parecia aquecer o seio, o ventre. Era uma revolução dentro dela, que lhe inquietava e roubava a concentração. A perna trepidava e ela levava freqüentemente a mão à nuca, evitando que um arrepio qualquer lhe invadisse. Queria o abraço, o peso exato dos braços, a maciez dos seios de Paula contra os seus, mas se continha. Inclinava-se suavemente sobre o corpo dela conjeturando qual era o cheiro dos pequenos cachinhos que se perfaziam na nuca dela, qual era o sabor do lóbulo de sua orelha quando beijada, quais seriam seus gemidos, o sofrimento de suas lágrimas, o alívio de seu sorriso. Presa no próprio querer, assistia atentamente o engolir do vinho por Paula, sem conscientemente saber que desejava também ser parte daquele vinho. Queria tocá-la, colocar-lhe com o rosto apoiado sobre seus ombros enquanto brincava distraída com seus cabelos, mas não se atrevia; comedia-se, remediava sua loucura, seu desejo. Apertava mais e mais forte a nuca cada vez que o sentimento vinha mais intenso e mais capaz de criar movimentos. Sentia suas partes intumescerem, umedecerem apenas com a proximidade dos corpos. Sentia-se perdida nos pequenos centímetros que as separavam.

- Você tem razão – disse Paula, colocando a taça sobre a pequena mesa de vidro no centro da sala e voltando-se para Sílvia - tem sim seu charme.

Paula levantou os óculos com o dedo indicador, franzindo suavemente a testa, como se não entendesse, como se quisesse entender. Olhava, cuidadosa, os traços de Sílvia, que de tão bem elaborados intimidavam. A língua bateu no céu da boca, nervosa, mas Paula mordeu-a e logo a sensação se esvaziou.

- Já que você não fala nada... – começou Sílvia – eu preciso dizer algumas coisas.

O olhar de Paula correu de volta ao tapete e o irritante jogo do anel recomeçou.

- Sabe? Já não vou mais fingir que eu não quero. Que você não me faz estremecer, que não é você que me faz sorrir nos dias mais inóspitos da minha vida. Não adianta. Ainda guardo o ticket do nosso primeiro cinema juntas. Lembra de como você achou os atores falsos demais? Eu lembro. Aliás, pior que isso. Não esqueço. Não consigo, Paula.

O silêncio como grande pano de fundo. Sílvia esperou qualquer reação, mas a outra continuou com o olhar vago, sem qualquer expressão. Continuou, lutando contra a trepidação das pontas dos dedos:

- Da primeira vez que lhe vi naquele bar, de como seus olhos estavam cansados e pareciam sumir atrás dessas lentes. Desde então, a vontade em mim é sempre a mesma: descobrir quem é você. E não, nem venha me falar que “ela te conhece”. Não, meu bem, ela apenas lhe tem. E tendo você, esquece de quão delicioso poderia ser descobrir esse mistério que você guarda em si – e continuou, esfregando uma mão na outra. Lembro do seu olhar fugidio que tão pouco se esbarrava com o meu, como se fugisse, como um bicho arisco preste a dar o bote. Eu queria seus olhos, Paula. Eu quero ainda. E não adianta falar que passa porque eu sei que não vai passar. Esse tipo de coisa não nasceu pra ter fim: nem em mim e nem em você.

Levantou-se do sofá. A vista escureceu, sentiu uma das pernas um pouco dormente. Contudo, ensaiou um desfile quando passava a frente de Paula, com passos precisos e barulhentos contra o piso de taco, uma profundidade no andar tão longe da consciência da palavra. Alcançou o outro lado da sala, onde havia uma espécie de mini-bar e foi logo enchendo um copo de vinho branco meio amarelado, tomando-o num gole só e só então recomeçou:

- Entendo que você a ame e eu não lhe tiro esse direito. Afinal, é tanto tempo com ela que seria ilógico esperar que você a deixasse de amar para viver essa aventura comigo. Mas, também não vou negar que lhe desejo e é tanto que aceito o termo de “outra” – e deu uma risada pronta – justo eu, Paula... – e colocou mais um pouco de vinho dentro do copo- ... justo eu que xinguei tantos por aceitarem essa posição de... substituta – e com os olhos fixos no copo cheio -... substituta – e tomou-o num outro gole único.

Tuesday, January 09, 2007

Fim do dia

(Pausa no momento anterior. Prometo continuação... a falta de tempo me permitiu apenas esse pequeno rascunho. Às amigas blogueiras, que carinhosamente comentam aqui, peço desculpas e garanto abundantes visitas em breve.)


Você fechou a porta atrás de si. Recostou-se à porta, pausou a respiração e buscou pela sala qualquer epifania que lhe fizesse perceber quão viva estava. Conferiu os móveis, as cores, os pés, os joelhos. Fitou suas mãos, girando-as sobre o punho, contraindo-as fortemente para então relaxá-las e sentir o retorno do sangue as extremidades. Alguns passos em direção ao quarto sem desviar os olhos do chão, apenas tateando com a mão a parede que lhe guiava em meio à semi-escuridão daquele dia de inverno. Sentou-se à cama, arqueando os ombros para frente, uma estátua de desalento. A pouca luminosidade dos letreiros e postes passavam aquela sensação de fim, de desfecho, de final de linha. Você quis saltar, mas apenas abriu a janela. Enxergou os pequenos carros que, apressados, seguiam seu percurso; pensou nela. No carro dela. No cheiro exato de tutti-frutti que ele tinha. O lábio contorceu-se e um sorriso pálido aliviou a expressão. Pensou “quem sabe ela está por aí, em qualquer carro desse, retocando o batom num sinal desta cidade”. A imagem dela lhe fez bem e você inspirou o pouco ar que lhe parecia rodear. Voltou-se para a cama, sentando-se sobre uma das pernas, com o olhar atento ao lençol ainda desarrumado que revestia seu leito. Deslizou suavemente o dedo sobre ele, percorrendo um caminho imaginário que ia da cama até o corpo dela - onde quer que ele estivesse. Esforçou-se para conter uma risada triste, porque se lembrou dos cabelos molhados que ela insistia em não secar de noite e que deixavam o cheiro do shampoo no travesseiro - até agora sentido por mais de um sentido; você espremeu os olhos e algumas rugas se pronunciaram. Reteve a mão no ar, achando-se estúpida por tanta babaquice. Permitiu-se, entretanto, uma última aspiração e toda memória pareceu viva e latente, tão sua e tão inteira que seria difícil separar o que era apenas amor do que era necessidade. Você adormeceu minutos depois, agarrada no mesmo lençol.